AS MIL PALAVRAS DE UMA IMAGEM
Certamente que já ouviu a expressão: “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Esta é, sem dúvida, uma verdade, mas também não será menos verdade que uma palavra pode sugerir mil imagens. E é suficiente pronunciar água para poder compreendê-lo.
Resulta curioso comprovar como cada um percebe a realidade em função da sua cultura. Talvez para uma pessoa que adormece cada dia com o sussurro do rio, a palavra água lhe faça ver a corrente entre as pedras e as frondosas margens. O agricultor vê a chuva no seu quintal. O pescador vê a maré e a sua vida nas imagens do mar e talvez o químico veja a fórmula H2O ou a imagem da molécula que a forma.
Água não é a mesma coisa no Sahara e na Amazónia. A palavra é uma entidade vazia, abstrata. O que faz uma palavra diferente da outra é o conceito que representa e nós, os seres humanos, identificamos a maior parte dos conceitos através das imagens que temos deles.
A cultura muda a vida das pessoas e é determinante nas nossas experiências vitais. Por isso é tão importante o intercâmbio cultural, seja entre países, pessoas, disciplinas escolares ou artes.
Todas as artes têm um fundo em comum: nasceram da necessidade individual do homem de comunicar, da vontade de partilhar os seus sentimentos, ideias e a sua forma de perceber a vida.
Cada arte utiliza o seu meio de expressão: a escultura expressa-se com volumes e vazios, a música fá-lo com sons estruturados, a dança, através do movimento harmonioso dos corpos, a literatura, com palavras e a pintura, com imagens. Mas, como tudo na vida, todas elas estão unidas por um fio invisível, complementando-se umas com as outras. São filhas de uma mesma mãe e não querem nem podem estar separadas. Assim, o cinema, cujo meio é o movimento das imagens, nutre-se da literatura, da música, da dança e de muitas outras vertentes artísticas, para se enriquecer.
No caso da pintura e literatura, existe uma união profunda e ancestral, especialmente se falarmos de expressão plástica e de escrita. Sabemos que a expressão plástica é anterior à escrita. Os homens da pré-história deixaram constância disso mesmo nas magníficas, místicas e mágicas pinturas rupestres. Mas o homem é um ser social e tinha de comunicar com os outros. Primeiro fê-lo com gestos e sons. Os sons tornaram-se desenhos, imagens que representavam conceitos, (como nos hieróglifos), os conceitos foram-se decompondo em palavras e as palavras em letras. E o que são as letras senão um conjunto de linhas? E não é isso um desenho, uma imagem?
A caligrafia é a arte de escrever empregando belos signos, senão vejamos a arte da linha, em árabe, que é um bom exemplo desta união. É certo que depois da imprensa, e ainda mais com os computadores, a caligrafia perdeu prestígio, mas continua a ser uma arte muito viva em alguns países, como no Japão, e sobretudo é uma importante fonte de inspiração para os criadores de novas tipografias. A tipografia tem muita responsabilidade na compreensão dum texto e nas sensações que provoca, da mesma forma que o nosso sistema de escrita e leitura (da esquerda para a direita, de cima para baixo) tem muita responsabilidade na forma como olhamos/lemos uma imagem.
Tudo isto é linguagem visual. Uma linguagem que tem também um alfabeto, uma gramática e uma sintaxe.
Numa pintura, a perspetiva são os capítulos de um livro, a composição são os parágrafos de um texto, o tipo de pintura é a tipografia; manchas, linhas e texturas são as palavras, as cores são os adjetivos, as formas são os verbos, o ponto é o ponto final, a vírgula, o ponto de exclamação e de interrogação. Um ponto numa imagem é um silêncio, ou uma pausa, mas também é um grito ou uma pergunta. É uma das entidades mais fortes e poderosas... Exatamente como na literatura.
As duas artes complementam-se e, se isoladas são fortes, juntas são-no ainda mais. Por isso, muitos livros têm imagens e muitos quadros têm título. Textos mais complexos utilizam ilustrações explicativas ou sugestivas para esclarecer a sua mensagem, e a mensagem dum quadro abstrato pode chegar melhor e a um maior número de pessoas acompanhada de algumas palavras. Mas não é só esta a força da união entre estas duas artes. Por um lado, graças aos pintores conhecemos os rostos de inúmeras personagens: desde a bela Beatriz de Dante, até à imagem que temos de Deus ou de Don Quixote. Por outro, graças aos escritores conhecemos as razões que originaram muitos quadros, a vida dos artistas ou histórias misteriosas e fantásticas das suas obras, como é o caso do Código Da Vinci, de Dan Brown.
Livros e quadros são construtores de histórias, imagens da nossa realidade, veículos para fazer viagens no tempo e no espaço, portas para interligar mundos diferentes, janelas para espreitar a nossa fantasia...
Caro leitor, experimente, procure as mil palavras de uma imagem e as mil imagens de uma palavra. Acredite que vai surpreender-se!
Gema Sedano Herrera