Tenho de reconhecer que, a primeira vez que ouvi esta expressão, senti uma pontada de tristeza, mas gostei da frase e fi-la minha. Achei que poderia ser um excelente ponto de partida. “De Espanha, nem bom vento nem bom casamento”, sim, mas, se o vento sopra com a força suficiente e na direção certa, não há ideia preconcebida que não leve consigo.
As pessoas que se esforçaram para promover a aproximação, a todos os níveis, entre Portugal e Espanha, os iberistas, sabem que são muitas as formas de gerar um vento capaz de superar os preconceitos que nos limitam, que reduzem a generalizações a infinita variedade de pequenas particularidades que compõem cada cultura.
Alguns, como Miguel Torga ou Miguel de Unamuno, lutaram com as palavras, com a política, com as ações... outros, como José Saramago e Pilar del Río, fizeram-no com o amor.
E não existe na natureza humana uma força maior do que a do amor, quando se compreende que amar é criar o espaço para que o outro seja quem é. Esta lei é válida tanto para as pessoas, como para as nações inteiras. Superar-se-ia, deste modo, a ideia infantil e complexada da “cara-metade”: sejamos cada um de nós seres completos e juntos não seremos um, mas dois.
“Um homem de uma peça só” - assim definia a espanhola Pilar del Río o seu marido, José Saramago.
Pilar, jornalista e tradutora, nasceu numa pequena aldeia de Granada, em Andaluzia. O seu caráter e a sua personalidade enérgica têm a mesma força imponente das elevadíssimas montanhas de sua terra, tal como o espírito de Saramago afunda as suas raízes na terra que o viu crescer.
José de Sousa Saramago (1922-2010), escritor no mais amplo, denso e profundo sentido da palavra, português de Azinhaga (Santarém), retratou magnificamente as suas origens humildes no discurso de aceitação do Prémio Nobel de Literatura, que recebeu em 1998. Ao falar dos avós, que dormiam com porcos para se protegerem do frio, da grandeza humana daquele avô que, ao saber que estava para morrer, se despediu da sua terra chorando e abraçando as árvores. Daquela avó que não tinha medo da morte, mas sim pena de ter de deixar um mundo tão lindo... Era esta a grandeza humana que José Saramago gostava de ver nos homens, uma grandeza que não encontrava no mundo real cheio de corrupção, interesses políticos, falsas democracias e sociedades desumanizadas onde, nas suas palavras, “... parece mais fácil chegar a Marte que chegar ao próximo”.
Saramago recriava aquela grandeza humana dos seus avós através das personagens dos seus livros. Um livro pode ser uma janela que se abre ao leitor para espreitar outros mundos ou outras formas diferentes de ver o mesmo mundo.
Quando Pilar del Río leu, pela primeira vez, um livro de Saramago, não só viu a grandeza das personagens, mas também a grandeza do seu criador. Foi assim que começou uma grande história de amor, na qual José punha a serenidade, a calma, a reflexão, o verde, o mar, o rio e o fado e Pilar complementava com a energia, a força das rochas e das serras, o pragmatismo, a impulsividade e o vermelho da paixão e do flamenco. Segundo as palavras do escritor: “Eu tenho ideias para novelas e ela tem ideias para a vida”. No livro da sua história de amor, ele escrevia belíssimas palavras e ela acompanhava-as com iluminuras de mil cores.
A união faz a força. Os escritores criam a literatura nacional, mas são os tradutores que tornam a escrita internacional. Pilar não era só a esposa de Saramago, mas também, para sorte de todos os falantes de espanhol, a tradutora dos seus livros. É graças a ela que os espanhóis e latino-americanos podem desfrutar das palavras do genial escritor português, reproduzidas com uma fidelidade total. Ela não traduzia livros, traduzia linhas, uma a uma, ao lado do escritor. O resultado era um destacável trabalho de equipa; bom para ele, bom para ela, ótimo para o mundo.
No dia 8 de outubro de 1998 José Saramago recebia o Prémio Nobel. Acompanhava-o com o olhar, desde a sexta fila do público, a sua mulher, que entesourava, na mão esquerda, um cravo vermelho e, na mão direita, um leque. Só eles sabiam o significado daqueles símbolos mas, para mim, a mão direita dizia bom vento e a mão esquerda, bom casamento.
Eles demonstraram, uma e outra vez, que os preconceitos têm de ser superados. Enfrentaram os que duvidaram da sua relação, porque Pilar era vinte e oito anos mais nova do que Saramago, demonstrando que o amor não tem idade, não tem fronteiras e, a todos os que acham que com a morte acaba tudo, provaram que o amor não morre.
Saramago faleceu em julho de 2010, mas continua a viver nas suas obras e na sua Fundação, presidida por Pilar, que mantém ativo o compromisso cívico de ambos, com ações, como a luta pelos direitos humanos ou a recuperação do património histórico- literário português.
Nas nossas mãos, também temos os instrumentos para romper com o ditado popular que deu o mote a este texto. Através da educação que ensina a superar os preconceitos, partilhando as particularidades das nossas culturas, amando as nossas terras, sim, mas criando o espaço para que cada um(a) seja quem é, e complementando-nos para que, juntos, tenhamos a força dum bom vento e possamos oferecer os frutos dum bom casamento.
Gema Sedano Herrera
Assistente COMENIUS
Escola E.B. 2,3 de Lamego
Ergo uma rosa – (Saramago, Luis Pastor, María Pagés)