Saramago, um escritor genial, mundialmente conhecido, é autor de obras maravilhosas, mas que estão frequentemente associadas a um certo nível de complexidade, a alguma dificuldade na leitura. Contudo, consegue também surpreender-nos com uma escrita simples e deslumbrante. Surpreender-nos e maravilhar-nos! Fiquei encantada com um texto que lemos nas aulas de Português – “Neve Preta” - e que faz parte do manual adotado na nossa Escola. Este texto revela uma extrema sensibilidade e respeito pelos sentimentos dos mais novos e isso o autor deixa extremamente claro desde o início até ao fim do texto.
Conta Saramago que, num dia de aulas, uma professora lembrou-se de solicitar aos seus alunos que fizessem um desenho sobre o Natal, podendo, para tal, usar todos os materiais que quisessem. Todos deram o máximo de si, embora uns tenham ficado melhores do que outros. E, como sempre, na hora de entregar os trabalhos, lá estava o presépio, o boi, a vaca, o Menino Jesus, a Virgem, São José, os pastores e os reis magos. Observando os trabalhos que eram colocados em cima da secretária, a Professora ia dando as notas que variavam entre “bom”, “suficiente” e “mau” quando, de repente, ficou chocada ao ver um desenho igual aos outros em tudo, exceto na neve que, contrariamente ao que seria de esperar, era preta. E a pergunta surgiu, inevitável: “Porquê?”. A menina ficou calada, mas a Professora insistiu na pergunta. Ecoavam na sala comentários e risos cruéis e, ao fim de algum tempo, a menina acabou por responder que a neve estava pintada de preto porque fora nesse Natal que a mãe dela tinha morrido. Fez-se um silêncio profundo, pesado e, nesse momento, a Professora pensou: “À Lua já chegámos, mas quando e como conseguiremos chegar ao espírito de uma criança que pintou a neve preta porque a mãe lhe morreu?”
Esta frase absolutamente comovente deixa-nos a pensar se realmente o homem se preocupa mais em alcançar a Lua do que em penetrar no espírito das crianças… Será a Lua mais importante?!
Penso que este texto extremamente belo, extremamente triste conduz a reflexões urgentes sobre a importância daquilo que é “invisível para os olhos”… E é um apelo para que estejamos mais atentos aos outros, aos que nos estão próximos e procuremos perceber as razões das suas atitudes, chegar ao seu espírito. Às vezes, o homem anda tão preocupado por alcançar o que está longe que não consegue chegar ao que está bem perto de si!
A minha Professora de Português facultou-me o texto integral de onde foi extraída a história “Neve preta” – “História de um muro branco e de uma neve preta”, in Vasco Graça Moura (Org). Glória in Excelsis – Histórias Portuguesas de Natal. Porto, Público, 2003. Li-o e achei-o deslumbrante. É composto por duas histórias centradas nas crianças, que nos levam a reflexões profundas sobre as nossas ações, a nossa postura na vida. Fiquei fascinada com o texto e com a sensibilidade e a nobreza de quem o escreveu.
Mariana Cardoso, 7º1